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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Robocop, o Policial do Futuro

Nome original: Robocop
Ano de Lançamento: 1987
Diretor: Paul Verhoeven
Atores: Peter Weller (Officer Alex J Murphy, Robocop) Nancy Allen (Officer Anne Lewis) Dan O'Herlihy (The Old Man)

Link para assistir: http://www.filmesonlinegratis.net/assistir-robocop-o-policial-do-futuro-dublado-online.html














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Atenção, todas as críticas desse blog estão recheadas de SPOILERS, não! não!..na verdade o blog É UM SPOILER filosófico dissecante, o que é ainda mais brochante do que um spoiler comum, cênico. A sinopse aqui serve pra relembrar a trama aos esquecidos e fazer desistir de ler quem ainda não assistiu.
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Sinopse: Na Detroit do futuro o crime e a violência tomam conta da cidade. O oficial Alex J. Murphy, ferido mortalmente em trabalho, retornará como um ciborgue praticamente indestrutível, uma arma da polícia contra os criminosos. Mas lembranças do seu passado acabarão atormentando suas funções.




                  Antes de mais nada, assistam de novo. O antigo de 1987 é um clássico de ficção e eu diria, de drama. O policial humano-máquina e descartável, com ares de inadequação e desconcerto que me lembrou inclusive, os replicantes do também clássico Blade Runner. Robocop é um projeto maligno resultado da concessão da segurança pública a uma empresa. Ele é o policial com muito poder e pouco coração, (a princípio) feito para prevalecer o seu lado máquina já que sua memória foi apagada, mas ele tem sonhos! Hmm... segundo o CEO da empresa ele é um produto e uma propriedade da empresa. Ele é um projeto fracassado de desumanidade conveniente (lembra um pouco o personagem da última crítica deste blog, não?)
            Seguindo minha metodologia de dar valor a cenas aparentemente sem grandes intenções, persigo a interpretação.  Há uma cena de particular valor em que Robocop logo depois de efetuar sua primeira missão, gira a arma tal como nos filmes de faroeste. Esta é uma passagem repetida algumas vezes durante o filme. O que sabemos do faroeste? Foi uma época de transgressão à lei, ou se preferirem manter a qualidade simbólica de nosso discurso: uma terra sem lei. Totalmente em contraste com a pretensa lei absoluta projetada e moldada na figura no policial do futuro, uma pretensão que foi antes forjada no seio de uma sociedade insegura do ponto de vista social, com sede de poder. “nada é de graça, é uma sociedade sem garantias... entende?” Fala do cabeludo logo após a ameaça de greve dos policiais aos 75 mins de filme aproximadamente.
              Esse contraste não é de graça também, é a chamada Sombra, pela via Junguiana. O lado sombrio contido da integração de opostos e que produz uma terceira via mista, insatisfatória a ambas as correntes num primeiro momento. Aqui no filme, a sombra é a via de superação de Robocop da sua condição de máquina para ser humano novamente. Ser o responsável pela lei numa terra sem lei o fez recuperar sua humanidade, ainda que aos poucos e às duras penas que a vida lhe proporciona.. a metáfora ainda persiste: nada é de graça. Ao ter carta branca para tomar os rumos das decisões políticas que afetam a todos, a empresa escolheu o óbvio: proteger a si mesma. Quando Robocop deu sinais de humanidade as quais dobravam sua pretensa lógica fria, ele passou a ser uma ameaça e a empresa tentou destruí-lo. A humanidade dialetiza os problemas. A lógica fria não é campo da sensibilidade ética.
             Também a lógica fria aponta para um sistema falho: não é sustentável a lógica de querer tratar o crime com mais repressão e mais poder de fogo. Isso porque a criminalidade é sintoma e não causa, tal como as histerias de conversão, se eliminadas em sua forma de manifestação, o equilíbrio, que é implacável, faz manifestar um outro sintoma no mesmo corpo em substituição à remoção do primeiro. Disso é que resulta os entraves e intempéries que se colocam no caminho de um policial com demasiado poder de fogo (leia-se, apenas puro e simples poder) que se pretendeu fazer dele um Messias encomendado pela sociedade que esperava e ao mesmo tempo precisava de uma encarnação de um sujeito justo e todo poderoso para garantir a aplicação da lei, que supostamente isso nos traria o fim da impunidade, da insegurança e da criminalidade. Robocop encarna Jesus Cristo do ocidente, ou ainda mais precisamente, o Cristo Judeu, ainda esperado para vir sobre a terra, uma vez que o Jesus do Novo Testamento compartilha apenas os valores morais de sacerdote e governa pelo exemplo, em contraste com o esperado Cristo da crença judia que também incorpora o poder político que dobraria joelhos e governaria povos com a aplicação de suas leis pela força política. 
               Novamente, isso pode parecer demasiado "viagem" ao interpretar, mas tão logo você perceba os simbolismos que aparecem, fica mais claro enxergar. Notemos os simbolismos já presentes: em uma das cenas finais, Robocop aparece andando sobre uma superfície plana encharcada aludindo ao andar sobre as águas de Jesus, mas dessa vez pronto para matar (exercer o poder da forma mais livre possível) o seu antagonista criminoso. A redenção proporcionada por Jesus na figura do Robocop é deslocada, de forma que para o seu oponente na água ele vem pra trazer o julgamento, enquanto que a redenção esperada é trazida para o povo que o esperou, a saber, a sociedade futurista de Detroit. Entretanto, a redenção é metafórica novamente pois se Robocop surgiu da necessidade de segurança e proteção desesperada, as vias que levarão o destino que o convocou serão dirigidas por Thanatos, a morte, embora o tenham convocado almejando Eros (vida)

Robocop anda sobre as águas para trazer o julgamento de sua arma ao criminoso. Em Mateus 10:34 Jesus diz: "Não penseis que vim trazer paz à terra, não vim trazer paz, mas espada"

             O demasiado poder de Robocop não tem lugar e a existência dessa ameaça que sobrepõe a tudo e todos é caçada, num outro simbolismo claro à figura do Messias, é o fato de que ele morre e volta a vida ciberneticamente.
Paul Verhoeven, no Blu-ray, também assume que: "Quando Cristo voltar, ele será uma espécie de "figura de Che Guevara", e provavelmente instruiria seus seguidores a pegar em armas, assim como Robocop ". Assim como Robocop!
               À impotência humana, uma resolução. O simbolismo da espada proferida por Jesus em Mateus 10:34, ricocheteada em arma de fogo, em uma projeção num momento de Robocop, nos mostra um símbolo fálico. Símbolo clássico de poder sob o qual foram concatenados vários conceitos psicanalíticos de Freud. Não somente por ele ter uma arma de fogo, pois se assim fosse qualquer arma de fogo em qualquer filme poderia adquirir caráter fálico e não é o caso, mas porque se juntam muitos simbolismos em simultâneo, que se complexificam e se completam: Robocop como um salvador, andando sobre as águas, trazendo justiça final, sendo perseguido pelo próprio povo e anseio (necessidade) que o trouxe, isso sem contar o fato de que ele encarna o Jesus fálico e não o Jesus sacerdote moral, ele encarna o Cristo que PODE. A violência é apenas expressão direta do exercer poder.

Em ROMANOS, 13:1-7 a passagem versa sobre o reconhecimento de Deus sobre a lei terrena:
  "Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É necessário que lhe estejas sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente a este serviço. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra.

             Aqui podemos encarar o tal anseio pela justiça na forma de lei e o surgimento do Messias Robocop como figuras de uma mesma moeda, uma insurgência espontânea arquetípica de uma necessidade. O reconhecimento da justiça humana pelo Mito do Criador, ou mesmo o inverso, o reconhecimento da divindade como integrante da lei humana, não importa, quaisquer símbolos e/ou funções estruturantes podem ser bons se estruturarem a consciência ou maus se fixados e estiverem na Sombra, Robocop tem a questão do Messias quando se nota que ele vem trazer justiça e obtém nela a justiça de si mesmo ao se deparar com a Sombra não dele, mas da sociedade que o erigiu.


sábado, 3 de janeiro de 2015

RAMBO I e II

Ficha do filme:

Nome original: First Blood
Ano de Lançamento: 1982
Diretor: Ted Kotcheff
Atores: Sylvester Stallone (John Rambo) Richard Creena (Coronel Trautman) Brian Dennehy (Policial Teasle)

link para assistir online, RAMBO 1: http://www.filmesonlinegratis.net/assistir-rambo-programado-para-matar-dublado-online.html 

RAMBO 2: http://www.filmesonlinegratis.net/assistir-rambo-2-a-missao-dublado-online.html






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Atenção, todas as críticas desse blog estão recheadas de SPOILERS, não! não!..na verdade o blog É UM SPOILER filosófico dissecante, o que é ainda mais brochante do que um spoiler comum, cênico. A sinopse aqui serve pra relembrar a trama aos esquecidos e fazer desistir de ler quem ainda não assistiu.
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Sinopse:
John Rambo é um veterano de guerra atormentado pelas lembranças do Vietnã. Numa viagem à procura de um colega do exército, passa por uma cidadezinha cujo xerife o toma por vagabundo sem motivo, e acaba detido. Lá, a agressividade dos policiais traz à tona todos os seus traumas, mas também toda sua habilidade de guerra. Rambo foge, então, para uma floresta vizinha, e dá início a uma fuga violenta.

Obs: Não pulem os vídeos, são cenas especiais escolhidas por mim para dar tom à crítica. ;)



 Essa crítica é a alma desse blog. A intenção máxima desse meio. Rambo é a interlocução perfeita de muito do que se busca tratar aqui. É uma crítica sobre algumas intenções inconscientes do autor. O que ele possivelmente disse sem querer dizer, assim como todas as outras análises. Ao mesmo tempo que posso olhar pra esse filme e falar de processo de criação arquetípico de uma obra de arte, posso falar de ser humano, existência e sentido.
 Rambo é um veterano da Guerra do Vietnã com sequelas quase que irreversíveis, ele sofre com flashbacks de tortura, teve amigos mortos e continua vendo morrer todos aqueles de que se aproxima, como a moça oriental por quem tinha se afeiçoado e decidido levar para os EUA para começar uma vida nova. O Rambo assim como o Capitão Nascimento é um tiro que saiu pela culatra e acabou matando simbolicamente o personagem ao ter a sua força louvada ao invés do seu poder de evidenciação das inconsistências que o cerca.  Essa história contempla mais do que a demonstração de violência e belas cenas de ação demonstradas na tela. Rambo foi criado para matar, ele não fala bem, não se comunica suficientemente, não interage para além de suas necessidades imediatas e suas relações sociais, amizades e família foram destruídos por um propósito político. Rambo é um desgraçado, mas não foi de graça. Para os meus antigos olhos de criança, quando assisti pela primeira vez era o melhor filme de ação. Com o olhar de psicólogo, é um belo filme de drama.


Em Rambo II acontece um rápido e bonitinho interesse entre John Rambo e uma
        moça que queria voltar com ele para os EUA começar uma vida nova...


...logo após combinarem de irem aos EUA, ela morre alvejada pela milícia local


          Entretanto essa visão é do e para o público, para a política que o criou ele é uma arma estritamente funcional que ao contrário do Capitão América ou do Dr. Manhattan, Rambo não é uma propaganda, ele é uma vergonha anônima necessária. Tal como os métodos invasivos sujos da CIA ou do FBI ele é o máximo da força ainda humana (em contraste com os super-heróis de força e habilidades sobre-humanas) que se impõe aos opositores da política imperialista norte-americana, ao mesmo tempo em que tenta desesperadamente gritar pela própria humanidade debaixo desse processo.  Confira o diálogo do xerife perseguidor de Rambo e o Coronel Trautman, responsável por seu treinamento militar:



      Bem, para um desatento esse depoimento preciso de capacidades bélicas pode ser motivo de um burro orgulho ianque (confesso que pode ser engraçada pra caralho também, do alto do meu senso de humor bizarro) mas cogitar que essa condição de vida seria compatível com uma humanidade saudável seria demais. Pensar: como uma pessoa criada assim poderia ser feliz? Um ser sem qualquer habilidade de negociação, socialização e que aprendeu (porque foi-lhe ensinado) a se relacionar matando, sem quaisquer vínculos sociais possíveis de se manter e bode expiatório de tudo que fez. Rambo é um sintoma social, lhe foram prometidos grandes glórias e honras patrióticas caso fosse bem sucedido em uma política que impele a reagir medindo forças e comparando poderes. Não é de se surpreender que a abordagem policial desumana e preconceituosa tenha se desdobrado em conflito que gerou o mote de todo o primeiro filme, a saber, o confronto entre Rambo contra os policiais de um distrito interiorano dos EUA. Notaram algo? O primeiro filme é uma guerra de americanos contra americanos. Contra si mesmos! Isso deveria nos dizer algo. 



Num cenário hipotético perfeitamente verossímil, ouço alguém dizendo em uma sessão de Rambo no cine clássicos Cinemark, ao ver esta cena: “É... parece que o Rambo não era tão machão assim”. Será que alguém teria coragem de dizer isso ao personagem fictício? É só uma provocação, é claro que não, a covardia em todas as esferas se caracteriza por estar em condição de poder e se vangloriar disso.

“Tive uma guerra no Vietnã e quando voltei para a América, havia outra guerra, uma contra os soldados, uma que não se pode ganhar” (John Rambo)

            Rambo é um cara confuso em relação ao militarismo e seu uso político, sem instrução e vulnerável, ele não consegue falar com propriedade da opressão, (e é por isso que o Rambo quase não fala, e não porque o ator é ruim, como afirmam uns por aí) mas sente e é produto dela. Interessante notar o momento áureo de revelação da política por trás da missão em Rambo II:

                Rambo assim como muitos militares e simpatizantes do militarismo atualmente, acreditam em uma mentira.  É disso que se trata a obra política de David Morrell, o autor do livro First Blood que inspirou o personagem Rambo, o supersoldado descartável, perturbado e sequelado que ao final do livro comete suicídio.
                Metaforicamente, o suicídio ou o desabamento final de Rambo no filme atestam a mentira ideológica de valores que supostamente se complementam, como militarismo e patriotismo, condições que servem única e exclusivamente para endossar protecionismo, xenofobia, intolerância e preconceito em macroescala, de um povo ou um país para outro. Não que o uso dessas categorias seja acidental, esses valores são cultivados como intenção de dominância, dominância sobre sua população primeiro pra depois dominar outras nações na conveniente e paralela associação ideológica de Doutrina Monroe e Destino Manifesto. Através da unidade desses valores se mantém o American Way of Life, com suas consequências demonstradas tanto pela quantidade de mortos dos dois lados na guerra quanto pelo "vitorioso" Rambo que sobra pra contar a história.







segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A Metalinguagem Arquetípica - Ciência da Arte.

Uma Defesa à Livre Interpretação


Do dicionário Michaelis da Lingua Portuguesa:


metalinguagem (meta- +linguagem) sub. fem.
Me.ta.lin.gua.gem
    1 Linguagem que se utiliza para descrever outra linguagem ou qualquer sistema de significação.             Linguagem que o crítico literário utiliza para investigar as relações e estruturas presentes numa obra.


              Metalinguagem é a arte de se falar de uma relação ou processo de uma obra, por ela mesma. É uma expressão de algo importante sobre si, contida na própria obra. Assim como um discurso de um indivíduo em terapia, metalinguagem traz as tensões sobre si mesma sempre nas relações com seu entorno, sendo seu modo de ser, sua personalidade e identidade dependente e condicionada por essa relação.
            Primeiro de tudo, toda arte é metalinguística, por definição. Aquilo que transcende a função prática de técnica e se converte em poiesis, e isto é um componente das trocentas possíveis definições se tratando de Arte. Alguns dizem que a arte é a vontade de ser uma afirmação que não precisa ser explicada. Como uma variação mórfica deste mesmo pensamento, advogo pela idéia de que a livre interpretação da arte é possível justamente por podermos interpretar quase que indefinidamente, o que seria o mesmo de não poder explicar, pois quando se explica espera-se que algum dia o mapeamento termine. Escolha tua via, ambas servem, até porque quem faz a interpretação será sempre outra pessoa que não o artista da própria obra, pelo artista em si realmente acredito que não necessita interpretação.
               Pois bem, em seguida adentrarei o campo de Arquétipo, mas espero que a esta altura já esteja  se tornando um tanto claro o objetivo desse ser o único post que pretendo fazer que não fala especificamente sobre filmes. A resposta é que este texto advoga a possibilidade de se postular conteúdos muito diferentes daquilo que o autor/artista tentou dizer em sua obra. Quando há uma crítica em qualquer meio, frequentemente ouço muitas pessoas dizerem "ah, mas duvido que o autor quis dizer isso"...bem, o que eu tenho a dizer sobre isso é: Este blog defende a teoria do inconsciente. Ponto. Mas vou além na explicação, e ainda, em direção ao conceito de arquétipo.
               O Arquétipo pode ser definido em termos um tanto gerais, como uma sedimentação milenar de experiências humanas, (oriundas não só do homo sapiens, mas de muitos ancestrais desde épocas remotas) que do biológico passaram a se tornar, pela repetição, "padrões comportamentais" universais independente de época ou sociedade. Vejam só um trecho da carta de C.G Jung enviada ao professor G.A van den Bergh von Eysinga:

"Antes de mais nada, não sou filósofo e meus conceitos não são filosóficos e abstratos, mas empíricos (...). O conceito em geral mal compreendido é o de Arquétipo, que cobre certos fatos biológicos, mas que não é uma idéia hipostasiada. O 'Arquétipo' é praticamente sinônimo do conceito biológico de 'padrão comportamental' (behaviour pattern) Mas como este designa principalmente fenômenos externos, escolhi o termo 'arquétipo' para o 'padrão psíquico' (psychic pattern). Não sabemos se o pássaro tecelão contempla uma imagem interna ao seguir um modelo imemorial e hereditário na construção de seu ninho; mas pelo que sabemos da experiência, nenhum pássaro tecelão inventou o seu ninho. É como se a imagem da construção do ninho tivesse nascido com o pássaro. (...) Como nenhum animal nasce sem seus padrões instintivos, não existe razão para supormos que o ser humano tenha nascido sem suas formas específicas de reação fisiológicas e psicológicas. Não há necessidade de ensinar ao animal procedimentos instintivos; também o ser humano possui suas formas psíquicas básicas, que ele repete espontaneamente, sem tê-las aprendido nunca. Na medida em que possui a consciência também recebe a possibilidade de perceber suas estruturas instintivas na forma de imagens arquetípicas. Como é de se esperar, essas representações são praticamente universais".

                Que bela aula do mestre! Mas no que será que isso nos convém? Pois bem, se imaginarmos que o arquétipo é um substrato universal atemporal e geo-irrelevante, teremos de olhar para a história e estrutura da Mitocrítica pra perceber que os dramas humanos sempre foram os mesmos, independente de ser um Negro Drama© da selva de pedra ou de um soldado chinês do séc XIV. Diante disso, o conteúdo e processo de produção artística seria, em termos bem gerais e adequados ao propósito deste blog, uma irrupção libidinal de um inconsciente pessoal pautado pelo inconsciente coletivo, com todas as vastas possibilidades arquetípicas fundamentais, adquirindo as características antropológicas de tempo e espaço em um segundo momento, posterior à insurgência do arquétipo. Isso é bem conhecido na prática pelos melhores roteiristas e/ou diretores. Eles não precisaram estudar essas teorias ativamente, e por isso mesmo eles sabem criar um personagem complexo mas não tentam fazer isso de modo consciente, pois poderiam no máximo criar um estereótipo e/ou um clichè, (ou vários deles ao mesmo tempo, como nas novelas da Globo por exemplo) eles sabem e aprenderam a respeitar seu processo criativo que vem e vai de modo volátil, sem saber ao menos explicar o que provocou tais pensamentos. Trata-se de legítima inspiração artística proveniente de uma necessidade humana de expressão, eles estão em um estágio de conseguirem sentir e canalizar a expressão de um símbolo, responsável por integrar a união de opostos. Eis algo sobre nossa metalinguagem arquetípica:
“é uma força da natureza que se impõe, ou com tirânica violência ou com aquela astúcia sutil da finalidade natural, sem se preocupar com o bem-estar pessoal do ser humano que é veículo da criatividade (...) faríamos bem em considerar o processo criativo como uma essência viva implantada na alma do homem. A Psicologia Analítica denomina isto complexo autônomo" (Jung,1991, 63)
              Centelha divina, dom, genialidade, impulso criador ou complexo autônomo. Não importa a alcunha, é a força que canaliza a energia libidinal do artista para a "compreensão intuitiva" dos arquétipos que se manifestam através dos enigmáticos símbolos, que por sua vez, revelam a história mítica da sociedade:
“O artista é sem querer o porta-voz dos segredos espirituais de sua época e, como todo profeta, é de vez em quando inconsciente como um sonâmbulo. Julga estar falando por si, mas é o espírito da época que se manifesta e, o que ele diz, é real em seus efeitos"  (Jung, 1991, 63)
               
Quadro de Salvador Dalí:
"Criança geopolítica assistindo ao nascimento do novo homem"
Agora podemos entender por exemplo o Arquétipo do herói, um dos mais comuns e populares, em que o herói nasce com características especiais ou adquire através de um evento em vida, passa a ter problemas com a responsabilidade que surge, tem um tutor, e depois parte em uma empreitada para fazer de seu dom algo construtivo e não uma maldição. É claro, esse é um esboço, sempre há variações, mas este por exemplo esteve presente em todas as sociedades de todas as épocas. Já a compreensão do processo criativo sob observância da teoria do inconsciente junto aos arquétipos, nos permite inferir que o artista é/se tornou um canal propriamente dito. Por isso ele canaliza. E não só de si, mas de eras humanas imemoriais.




















domingo, 28 de dezembro de 2014

Se7en, os Sete Crimes Capitais

Ficha do filme


Nome original: Se7en
Ano de Lançamento: 1995
Diretor: David Fincher
Atores: Morgan Freeman, Brad Pitt, Gwyneth Paltrow, Kevin Spacey


Link para assistir online: http://www.filmesonlinegratis.net/seven-os-sete-crimes-capitais.html
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Atenção, todas as críticas desse blog estão recheadas de SPOILERS, não! não!..na verdade o blog É UM SPOILER filosófico dissecante, o que é ainda mais brochante do que um spoiler comum, cênico. A sinopse aqui serve pra relembrar a trama aos esquecidos e fazer desistir de ler quem ainda não assistiu.
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Sinopse: Somerset (Morgan Freeman) é um detetive cansado de seu ofício a uma semana de se aposentar enquanto que Mills (Brad Pitt) é um impulsivo detetive transferido para a cidade ávido por mostrar suas capacidades. Ambos acabam se deparando com o bizarro caso de John Doe (Kevin Spacey) um assassino em série que mata as vítimas punindo-as com o pecado correspondente de suas vidas, um dos sete pecados capitais. 



                 Um clássico genial na história do gênero policial, inigualável no tocante ao método que foi escolhido para se passar esta mensagem em específico. Não, o filme não é sobre formas divertidas e criativas de se matar, ou ainda, uma mais aprofundada porém ainda insuficiente condenação moral de um assassino louco sobre os pecados da sociedade. Esse filme meus amigos, traz uma crítica deveras sutil sobre a dualidade humana, rejeitando o maniqueísmo e situando os podres da sociedade não no outro, e menos ainda ao nosso lado, mas em nossa interioridade mais vívida de modo nauseante. Um nem tão aterrorizante por não ser tão direto, porém ousado apontamento de que o bem e o mal talvez não existam separados e não sejam tão distantes de nós assim.
                 Em um momento aparentemente despretensioso do filme, os agentes Somerset e Mills estão em um balcão de bar falando sobre esse caso único em suas carreiras, um diálogo precisamente inspirado de nosso roteirista que dá todo o tom crítico universalizante sem ser banal, que junto à cena do tríplice diálogo com o assassino na parte de trás da viatura confere toda a estrutura pensante que eleva o filme do patamar de "um filme com mortes incríveis", a "um soco filosófico no estômago".

Mills: Estamos falando de pessoas que são loucas. (se referindo ao assassino John Doe)



Somerset: Errado Mills, estamos falando do dia-a-dia!

                Mills ao discutir sobre o assassino que persegue, incorpora o discurso do mal como excepcional, como contaminante da ordem social ao mesmo tempo que se coloca como alguém qualificado para extirpar o mal do mundo, também se vê um homem de virtudes suficientes para tal tarefa. (e isso é demonstrado em sua personalidade, ao longo do filme). Ao caracterizar o mal como algo alheio e distante do ser humano, ele enxerga o assassino moralista como algo atípico. A sua fala final com Somerset de pseudo-esperança na sociedade não está pautada em entender o que são e de onde vem os traços de ferocidade humana, mas em poder mudá-los a despeito de seu significado, se colocando como justo e sabedor do bom e do correto.

O problema de Mills não foi ter sido legislador e executor da sentença, mas o erro em procurar as respostas fora de si durante toda a jornada, descaracterizando a figura do mal para que pudesse manter seu ideal moral.

                  Por outro lado, a fala de Somerset caminha no sentido oposto, ao assimilar os assassinatos de cunho simbolicamente morais à conduta humana propriamente dita, Somerset assume que o assassino não é nenhum excepcional e portanto, é um trivial que aproxima o humano de sua humanidade e confere a essa humanidade a dupla face: a trivial e a excepcional em indissociável conjunto. O homem como capaz de atrocidades diárias pautado nessa moralidade cotidiana de contenção de excessos, uma marca repressiva cunhada de recalque na Psicanálise. É importante dizer que Somerset, talvez por algum princípio religioso ou mesmo tradicionalista, é algo condescendente e identificado com os valores morais perpetrados por nosso assassino John Doe, isso porque embora ele perceba quão próximo o assassino está de nós, (e portanto reconhece a brutalidade apenas manifestada  no assassino sem que este seja excêntrico) ele assume a condescendência moral ao considerar justificada a realidade psíquica que atribui a causa mortis aos pecados. Isso pode ser notado ao analisar a conduta maniqueísta de Somerset, muito embora ele trate de aproximar o pecado como parte da humanidade, (ao contrário de Mills que trata isso como um desvio que pode ser extirpado) ele também mostra perda total de fé no ser humano ao denotar não entender porque isso acontece. A necessidade de explicar a dualidade humana e a capacidade do ser humano de fazer e praticar o mal não lhe basta só por existir. Tem de haver uma razão racional, lhe tornaria mais fácil de digerir.
                       É nesse ponto que o personagem de Somerset também perde o seu porto seguro, isso porque ao invés de abster-se de julgamento moral, ele dá murros em ponta de faca tentando entender,  (no fundo já sente os efeitos em si e não aceita o fenômeno da castração primária a que todo ser humano passa) a capacidade humana de praticar esse mal. Ele está cercado por concepções de certo e errado, e os 7 pecados capitais assim como na bíblia não são as únicas depravações, são a porta de entrada de uma variedade imunda de tentações atípicas que perturbam o ser humano.


                     Ainda assim, Somerset representa um pensamento mais filosófico e autoimplicado do que Mills, que representa o senso comum da sociedade e se ocupa insistentemente e de modo cego em apontar no outro o mal que não enxerga em si, que trata de afastar esse mal pra que isso não escadalize a si próprio, que olha o mal como algo alheio ao ser humano e portanto, distante. Somerset entende esses pontos, mas não entende porque tem que ser assim, (é assim porque o mal existe somente em religião, pra ciência não existe mal nem bem, mas apenas desejos inconscientes) não se conforma, e com isso quer a aposentadoria para não lidar mais com a irracionalidade como a de um caso que ele mesmo narra a seu chefe: um homem que ao passear com seus cachorros na rua é assaltado e tem os olhos furados por motivo nenhum além do sadismo de um assaltante, que já detinha o dinheiro. O que aflige Somerset não é mais a violência, mas o fato de isso ser gratuito e sem qualquer explicação racional, não ter a posse dessa explicação depois de tanto tempo de trabalho é que o faz não querer mais nada disso, de fato, Somerset não quer mais a humanidade. Ele concorda com John Doe.